Esse certamente foi um dos filmes mais esperados esse ano, Doutor Sono. O que dizer sobre a continuação de uma obra célebre de dois gênios tais quais Stanley Kubrick e Stephen King? Certamente é um filme que te deu arrepios quando era criança, ou até já adulto.
Kubrick é um diretor que não brinca de fazer filmes, e certamente, se ainda não viu O Ilumidado, vale a pena procurar e assistir. É um filme de 1980 e se consagrou como um clássico do cinema. Quem já não se deparou por aí com aquela cena do Jack Nicholson (fazendo Jack Torrance), em que olha pela fenda de uma porta que ele próprio abriu portando um machado?
É um terror clássico envolvendo assombração, muita maldade e almas penadas atormentando os vivos. Stephen King parece apreciar esse fenômeno humano, o tormento.
Quem já leu um livro de King, certamente notou todo o minucioso cuidado com que descreve os estados psíquicos dos seus personagens. Kubrick + Jack Nicholson transformaram aquelas palavras em imagem e ação. Caso queira assistir o clássico de 80, tente reparar as entrelinhas do trabalho desses dois no desafio de traduzir palavras em formas e expressões.
Não poderia deixar de comentar sobre uma questão dos bastidores que muitos não tem conhecimento: a rixa entre o diretor e o autor de O Iluminado.
Kubrick fez a seu modo muitos aspectos da história, e isso acabou criando um conflito entre os dois. King disse em entrevista à BBC que Wendy (mãe de Danny – Shelley Duvall) foi “Um dos personagens mais misóginos já colocados em filme. Ela basicamente está lá para gritar e ser estúpida, e essa não é a mulher sobre a qual eu escrevi.“.
O roteiro do filme foi feito pelo diretor com Diane Johnson, uma escritora admirada por Kubrick. Ele disse em uma entrevista que as personagens precisaram de ser re-desenvolvidas diferentemente da forma retratada na obra de King. (Leia aqui na íntegra).
Esse ponto de discórdia pode nos dar um panorama do conflito. Em 1980 os livros de Stephen King já eram bem populares, mas The Shining foi sua terceira obra lançada, e os críticos não ligavam muito pra ele. Kubrick buscou uma acadêmica da literatura para ajudá-lo a desenvolver aspectos da história, ele buscava a finesa de uma narrativa.
Sempre deixou isso claro em todas suas obras. Conta uma trívia que, nesse filme, fez o ator Scatman Crothers, no papel de Hallorann, repetir uma cena 160 vezes (record que se atribui à regravação de uma cena na história do cinema). O final da história também foi alterado no filme porque o mestre Kubrick achou que era “banal”. Mas o que tem Doutor sono com isso? Tudo.
Doutor Sono…
Sendo assim, vamos falar de Doutor Sono. Danny, o pequeno iluminado do filme original, cresceu e se tornou um adulto perturbado com problemas financeiros e vícios. Tal qual seu pai, luta pra se livrar do álcool e ser uma pessoa digna. Inclusive ele mesmo faz referência à peleja de Jack quando fala do motivo de sua busca pela cura. Assim, o filme já começa com Danny tentando sair dessa. Ele muda de cidade e começa uma nova vida.
Apesar disso, seu passado volta com uma nova roupagem quando é solicitado a ajudar Abra, uma garota que o encontra sobrenaturalmente por pensamentos. Essa menina é uma iluminada tal qual Danny é, com uma “iluminação” muito forte. Com isso, ela acaba sendo detectada por caçadores de iluminados que, de alguma forma, sentem a presença dela liderados por Rose the Hat (Rebecca Ferguson).
Vale a pena dizer que, Ewan McGregor (Danny já adulto), desempenhou muito bem outros papéis em sua carreira, mas pelo menos particularmente, não me causou muito entusiasmo dessa vez, ao passo em que Kyleigh Curran (Abra), não deixa nada a desejar.
De certa forma é um choque assistir esse filme com esse novo elemento, a sobrenaturalidade retratada com poderes sobrenaturais. Não tinha poderes sobrenaturais no filme de 1980, o que me quebrou um pouco da expetativa da continuidade. Mas isso se deve, é claro, ao fato de que Stephen King adora colocar esse tipo de elemento em suas histórias.
É importante falar também de Mike Flanagan. Um diretor expoente na atualidade, gravou a série de terror do Netflix chamada “Residence Hill”. Série que foi muito bem recebida pelos críticos, já ganhou anúncio de continuação. Nas mãos de Mike, o filme usa de muita referência das cenas antigas e a escolha das cores para a fotografia também é bem marcante.
Dito isso, o filme é uma boa costura desses dois pesos. Fãs da finesa de Kubrick nunca se sentiriam satisfeitos de ver um filme sem as referências de seu ídolo. Ao passo em que King tem também seu clube, e leitores gostam de ver a obra na tela tal qual imaginaram ao ler o livro.
Flanagan enfrentou um grande desafio ao tentar conciliar essas narrativas. Podemos dizer que o filme não se propunha a ser um novo clássico, mas apenas dar um fim redentor à história de um garoto iluminado.
OUTRAS CRÍTICAS
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