Se eu pudesse resumir Cowboys em poucas palavras, eu diria: desafiador, emocionante, libertador e intenso! Não é apenas sobre a libertação de um menino trans, é sobre um pai que ama seu filho acima de tudo, de todos; que arrisca tudo – inclusive a vida – para que seu filho possa ser quem ele realmente nasceu sendo. E, principalmente, é a história de uma mãe que precisa enfrentar seus medos, preconceitos e enevoados sentimentos para crescer.
Anna Kerrigan traz em seu roteiro e direção uma originalidade muito especial. Não reproduz nenhuma história já disponível em outras tramas. Ela consegue – desde a seleção do elenco – abordar nuances ainda não trabalhadas. Isso, com o cuidado de poder escrever algo inquietante, delicado, maduro e não gasto. E ainda nos presenteia com um bom trabalho.
A direção também é incrível, um cenário deslumbrante que convida os personagens à essa jornada para o crescimento. Sair em busca de si, mas não em qualquer viagem, sair em busca de si em uma viagem crua. Pela natureza, pelos vales, rios, frio, sol, desafios – físicos e emocionais.
Essa oportunidade em explorar a natureza física e a própria natureza dentro desta liberdade, atenua ainda mais o laço de pai e filho, que brindam nossos olhos e emoções com uma atuação de tirar-nos do prumo.
Cuidado e representatividade na escolha do elenco de Cowboys
Kerrigan buscou, ao escalar o elenco, um ator que fosse uma criança transgênera ou não-binária. Cuidado este muito interessante e louvável da diretora. Afinal, se a história conta uma realidade dentro deste âmbito, por que o ator a interpretar o protagonista estaria fora dela? Claro que não estou desmerecendo o brilhantismo de nenhum outro ator. Mas sim, saudando o projeto e ideia da diretora, que agiu pela equidade, respeito, inclusão e visibilidade. Não basta dizer, é preciso colocar em prática.
Sasha Knight, que interpreta o protagonista Joe, tem talento de sobra. Sua atuação é impecável. Deixa a gente preso à telona ou telinha e comove, desde os primórdios de sua luta interna, até a possibilidade de externar este “grito de liberdade”. A química absurdamente perfeita entre Sasha e Steve Zahn, que interpreta Troy o pai de Joe eleva a história a um patamar digno de vencer quaisquer categorias ao qual foi indicado nos festivais de cinema.
Jillian Bell, que interpreta Sally a mãe, não deixa nada a desejar. Uma mulher que faz questão de ter uma filha dentro dos padrões de feminilidade, recusa-se categoricamente a aceitar a identidade de Joe. Esse conflito que gera em nós uma sensação de compaixão, é desenvolvido em uma delicadeza, incômodo e beleza, que embrulha nossos sentimentos.
Teço meus elogios ao trio, mas também, estendo-o à Ann Dowd que desenvolve um papel muito importante para o desenrolar da trama. Faith, sua personagem, possui uma sensibilidade pela situação muito madura, não deixa que fatos subjetivos delatados por Sally lhe cegue em sua investigação. Esmiuçando a realidade com sua experiência e humanidade, depara-se com uma cena linda de amor incondicional de um filho para um pai e de um pai para com seu filho. Há todo momento ela dá o seu melhor para que nada de ruim os acometa e para que ela consiga cumprir sua promessa de trazê-los, à salvo, de volta ao lar.
Outro arremate que que o filme traz é a locação, que conta com as belezas naturais de Montana. Esse contraste entre a história que se desenrola envolta em pura tensão e calmaria do rio que flui, das árvores que dançam com o vento, da vida selvagem que se manifestas em seus cânticos; faz-nos mergulhar nas cenas como se estivéssemos vivenciando a história com a mesma dramaticidade dos personagens. O percurso que Troy e Joe fazem para alçar a fronteira do Canadá é belíssimo.
Impressões pessoais e conclusão sobre Cowboys
O que encanta no desenrolar desta trama é a forma como o personagem do próprio Troy se desvencilhas de seus estigmas e problemas para poder abraçar o filho de corpo e alma, instável com algumas questões de seu emocional, vê o casamento desfazer-se, mas não deixa – em nenhum momento – de solidificar a relação íntima com Joe.
Essa entrega, essa escolha em proteger o filho das violências que ele poderia vir a sofrer, do preconceito que já sofre, tanto vindo da mãe quanto das pessoas em convívio – escola, amigos, vizinhos, sociedade; demonstra como o amor é capaz de superar quaisquer obstáculos e construir laços inquebrantáveis.
Cowboys é um filme forte e, poder acompanhar o desenvolvimento de Joe é lindo, principalmente como as cenas foram dispostas. Sasha é indiscutivelmente brilhante, tão jovem com um talento tão maduro! A atuação cabe no olhar, nos gestos. A organicidade e verdade que imprimiu em Joe nos leva a uma comoção indissociável.
[ALERTA DE SPOILER] Uma das cenas que mais chamou-me a atenção diante da grandiosidade de Knight fora a cena do boliche na qual Joe está sentado com uma roupa de menina, cabelos de menina, acessórios de menina e fica alí, no seu cantinho junto às mulheres em silêncio. Mas a mudez de suas palavras abre espaço para seus gestos, seus olhares. E ele tudo vê, ele tudo capta. Desde a fivela do cinto da calça de um dos amigos de Troy à forma como eles comemora o strike.
É uma cena marcante porque nos convida a nos colocarmos no lugar daquele personagem, que sabe que nasceu dentro do corpo errado. Que o corpo dele é o mesmo corpo daqueles homens à sua frente e tudo que ele (Joe) deseja é poder libertar-se da sua prisão. É de marejar os olhos.
Talvez, não tanto, como a cena do rio! Mas esta, eu não darei spoiler.
Contudo, Cowboys é uma obra cinematográfica que propõe um crescimento espiritual. Até mesmo quando já julgamos estar evoluídos, podemos descobrir que há muito para aprender que há muito para conhecer. Que há muito para amar, para se permitir. Que a liberdade de ser quem você nasceu para ser, é o maior presente a dar-se para si mesmo.
Conquistar esta liberdade, para alguns, pode custar um preço alto e nós temos essa noção. Temos a consciência de que tantos jovens desejam libertar-se das prisões que seus corpos lhe impõem, que a sociedade lhes impõe, mas, infelizmente, não podem fazê-lo. E sofrem. Sentem, sentem sozinhos. Vivenciam a dor da existência sem uma mão a lhe estender humanidade.
Cowboys ensina a nós que podemos, devemos caminhar para evolução e principalmente percebermos quando nos cabe estender a mão ao próximo porque – na maioria das vezes –, este gesto, é tudo que aquele indivíduo terá. Na história de Anna Kerrigan, Joe teve o amor de seu pai para ajudá-lo a encarar a realidade, a vida e libertar-se. Mas há muitos “Joe” em nosso mundo que não são afortunados da mesma maneira. E isto dói! Incomoda! Precisa ser dito, precisa ser mostrado.
Que Joe, Troy e Sally possam fazer parte de umas horinhas do dia de várias famílias, de diversos espectadores, para que, em amor, mente aberta, desejo de evolução e apreciação; consigam degustar desta obra tal como pude ter o prazer em fazer.
Aqui fica o meu convite, permita-se encantar com a trilha sonora, as águas e sol de Montana, o amor e diálogo de pai e filho e a incrível jornada para Vida que, juntos, edificam.
Ficha técnica
Roteiro: Anna Kerrigan
Direção: Anna Kerrigan
Produção: Anna Kerring, Gigi Graff
Elenco: Sasha Knight, Jillian Bell, Ann Dowd, Steve Zahn, Chris Coy, Bob Stephenson entre outros.
Distribuição: Synapse Distribution – disponível para comprar ou alugar nos seguintes meios: Claro Now, Amazon, Vivo Play, iTunes/Apple TV, Google Play e Youtube Filmes.
Assista ao trailer de Cowboys:
Por Pabline Furst – (@furstpabline_)
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