Quando a gente vê um cartaz de uma obra cinematográfica cujo nome do diretor é Edgar Wright, já sabemos e devemos esperar por um espetáculo! Pois sim, seja a Londres de 1960 ou a Londres de 2021, não há diferença. Ambas são cruelmente frias e insensíveis a quem lhe chega ansiando sonhos estrelares. Assim é “Noite passada em Soho”.
Da sonhadora aspirante à cantora Alexandra Collins, ou melhor, Sandie (Anya Taylor-Joy) à doce e esperançosa Eloise (Thomasin McKenzie), o roteiro e, consequentemente, o filme traz o confronto entre o passado e o futuro, o “antigo” e o moderno. A história de uma mulher que viveu a Londres dos anos 60 e uma jovem que vive a Londres dos anos atuais/modernos.
Uma mulher que aspirava em ser cantora, tendo sua vida devastada pela frieza das almas que lhe cercavam a existência, um sonho que foi varrido pela crueldade daqueles que lhe disseram cuidar, estender a mão e ajudar. Uma jovem que se viu atrelada à vida desta desconhecida e, não fosse sua determinação (muito bem colocada por ela mesma, em diálogo com sua avó) também veria seus sonhos esvanecerem.
A fórmula usada por Krysty e Edgar para compor os diálogos, a relação que as protagonistas desenvolvem e a forma como o velho e o novo convergem e divergem, é uma fórmula demasiada inteligente e de grande apreço. Souberam, em delicadeza, suspense, um leve terror e uma dose de melancolia, unir todos os elementos para proporcionar uma boa história.
DO ROTEIRO À DIREÇÃO
A dupla de roteiristas entrega ao público, e aí também cabe a forma como Edgar conduz a direção, uma submersão ao universo particular de Eloise que se vê em guerra com o universo insalubre e doloroso de Sandie.
Sob sua pele, Eloise vivencia uma realidade – recém-chegada de uma cidade interiorana – que lhe causa: repulsa e apreensão no que diz respeito aos pequenos horrores do vazio das pessoas que habitam uma metrópole (seja ela Londres ou qualquer outra). E essa visão, que é muito bem colocada na direção do longa, proporciona a nós, espectadores, uma reflexão acerca de como levamos nossa vida.
Nosso quotidiano, de quantos sonhos são massacrados e quantas realidades são avassaladoras, porque transformamos aquele meio em que vivemos, em algo frio. Rígido. Solitário. Cheio de almas desesperadas e ou corrompidas pelo terror de uma existência sem propósito.
A direção de câmera, fotografia, figurinos e interação do elenco, vai edificando o longa, pouco-a-pouco mostrando o contraste entre a sedução das luzes brilhantes da cidade grande, os pubs badalados, a oferta (ainda que sem nenhum procura) das drogas lícitas e ilícitas, sexo, a sujeira das ruas, as moradias em condições precárias, as repúblicas embebidas de jovens descontrolados, o assédio moral, verbal e físico. Por fim, o ambiente que pode tanto ser promissor quanto hostil a qualquer tentativa de interação e relação humana.
A “viagem no tempo” proposta pelo roteiro, tem sua execução transformada em algo envolvente, se não fosse pela sala de cinema nos prendendo aqui do lado de fora, poderíamos jurar fazer parte do elenco. Parte das nuances, dos flashes, dos arrepios, dos rompantes, do medo, da ira, da dor, da insegurança, da raiva, do desejo de proteger, do desejo de escapar, da insanidade e da razão.
Esse entrelace se dá, não só pelo sentido da visão atraído pelas luzes, ambientação, decoração; mas principalmente e sobretudo pelo casamento PERFEITO entre as canções, cuidadosamente escolhidas pelo próprio diretor e muito bem executadas por Steven Price. Fora de brincadeira, não há como descrever, é preciso sentir. Desde os ruídos propositais dos frames à trilha que se mistura de forma tão homogênea.
É de arrepiar. E, muito provavelmente, ouso dizer que, talvez, seja um dos elementos de grandioso sucesso, que nos faz ter essa sensação de pertencimento ao filme/história.
ATUAÇÕES E PERSONAGENS EM “Noite passada em Soho”
E, aqui, chegamos ao ápice do filme. Óbvio. As atuações estão de roubar o nosso fôlego, dando-nos a certeza da genialidade de quem já está aí conquistando as telonas, bem como da surpresa em conhecer uma “nova” atriz, de peso.
Estou falando de: Anya Taylor-Joy que vem mostrando em seus últimos trabalhos a genialidade e genuinidade em cada personagem que entrega. Uma pupila, que só tem a ascender seu estrelado em Hollywood e demais produções independentes. Estonteante, ela traz vida à Sadie de modo a conseguir exibir – de forma sagas – desde a confiança que a personagem projeta à sua intrínseca vulnerabilidade e audácia.
Sadie é uma mulher vibrante, desafiadora, embora esconda uma garotinha que, para nosso desespero, acaba depositando sua fé na pessoa errada. E, esta é – uma das – razões pela qual Wright insiste em mostrar ao público o lado monstruoso e frio das cidades grandes, para aquelas pessoas que a procuram com o ensejo ardente de viver um sonho. As atrocidades pelas quais a personagem fora acometida, nos causa essa repulsa, revolta e um total compreendimento e defesa dos fatos que se seguem a respeito.
Outra coisa importante a se destacar a respeito de Sadie é que, ela invade a vida de Eloise seduzindo-a com sua peça principal: seu vestido! Sim, o esvoaçante, leve, viciante vestido da misteriosa Sadie é uma joia para o arsenal de figurinos hollywoodianos. Impecável dentro de todos os parâmetros das pérolas desejadas nos anos 60.
Destaque para atuação de Thomasin McKenzie
Aproveitando a deixa, Eloise Turner, vivida por Thomasin McKenzie (Elza Korr em “Jojo Rabbit” e Astrid em “The Hobbit: The Battle Of The Five Armies”) é aquela protagonista que nos conquista em seu, drama scream queen. Muito intuitiva, talvez, ela nos pega nos detalhes. Desde maquiagens leves à sobrecarregada, suas feições ganham toda a cena. A delicadeza dos gestos ao desespero escancarado em seu rosto.
Chung Chung-hoon (cinematógrafo do filme) caprichou nas luzes e ainda bem que o fez, porque a interação que Ellie faz com o ambiente é, naturalmente pela trama, o pote de ouro no final do arco-íris. A incansável e berrante luz colorida, tão tipicamente noturna e provocante, é o contraste perfeito entre a alva pele que ostenta e sustenta toda angústia da trama.
Matt Smith (Jack) e Diana Rigg (Miss Collins – Alexandra Colins mais velha) também têm seu peso dentro da trama, principalmente porque eles se conectam neste passado-presente que é o causador de todo dano, loucura e decisões. Jack nos causa raiva, nada além. Miss Collins, por sua vez, nos desperta aquela velha questão dúbia, deveria mesmo ter ela feito tudo que fez? Por fim, até mesmo a chatinha invejosa que, não é bem uma antagonista, mas está sempre irritando Eloise com suas aparições; merece ter seu nome mencionado Synnove Karlsen (Jocasta), afinal. Causa esse incômodo em nós.
John (Michael Ajao), par romântico de Eloise, é o oxigênio presente na vida da garota. Um ponto, fofo, na trama. Empático, simpático, divertido, tem sua importante atuação no desfecho da situação. Gostaria de poder apreciar outros trabalhos com mais presença do rapaz.
Conclusão
Noite Passada Em Soho é uma película de regozijo aos nossos principais sentidos, à nossa sensibilidade. É a chance de profanar [segundo os juristas romanos, profanar, significava restituir aquilo que pertence ao direito humano, de volta para ele. Ou seja, tirar do âmbito do uso, do comércio e trazer para a apreciação que só a arte pode proporcionar] com uma obra.
Contraditório entre os enigmas do passado e do presente, uma trama que te surpreende ao entregar um desfecho não estimado (excelente, por sinal), luzes que pulsam na tela e na janela de nossa alma. Canções que te fazem querer dançar junto com os gestos de Sandie e sacolejar a delicadeza de Eloise, bem como, ajudá-la em sua jornada alucinante.
Por fim, a acidez das relações sociais em seu bárbaro modo de existir, empurra o espectador da cadeira e aponta o dedo na cara dele dizendo: “Está vendo esse filmaço? Pois é. Está aqui, está feito, está incrível e, sim, tem um grande time de artistas de pessoas apaixonadas e completamente devota das artes por detrás de cada mínimo detalhe.”
Pois bem, esta é a sensação que eu tive. E, fico grata por tê-la tido. Grata por ter conseguido mergulhar na obra de Edgar e seus brilhantes colaboradores. Espero que vocês tenham a mesma oportunidade e, se tiveram, se sentirem como essa produção é poderosa e rica em detalhes, não deixe de partilhar conosco suas impressões e sentimentos.
Bom filme!
Ficha Técnica
Roteiro: Edgar Wright, Krysty Wilson-Cairns
Direção: Edgar Wright
Produção: Tim Bevan, Eric Fellner, Nira Park, Edgar Wright
Música: Steven Price
Edição: Paul Machliss
Elenco: Anya Taylor-Joy, Thomasin McKenzie. Matt Smith, Terence Stamp, Diana Rigg, Tita Tushingham, Michael Ajao entre outros.
Distribuído por: Universal
Por Pabline
1 Comment
Leave your reply.