“Falling Ainda Há Tempo” nos traz algumas possibilidades de reflexões, que resolvi trazer em nossa introdução.
Há quem encontre um equilíbrio em meio ao caos do quotidiano, da solitude, da companhia dos seres amados, das perdas e ganhos do trajeto, enfim! Há todos os tipos de indivíduos e todos os tipos de sentimentos.
Entretanto, ou, apesar de tudo, há sempre uma possibilidade de tentar de novo. De perceber que, apesar dos pesares, apesar de teres desperdiçado a vida toda exercendo um papel existencial grotesco, ainda há tempo para ser, ou desejar ser, um ser melhor. Pouco mais, agradável.
O Filme de ViggoMortensen pode causar-nos várias sensações, de afeto, desafeto, raiva, amor, compaixão, asco, compreensão, indignação, admiração e a sensação de que, acima de tudo, sempre teremos tempo para mudar!
Mudarmos nossa postura, nossas crenças, nosso olhar em relação ao outro e, acima de tudo: amar.
MULTIFACETAS
Já que mencionamos o nome do diretor, acima, então, permita-se começar por ele. Ou melhor, começar falando a respeito da figura que é Viggo Peter Mortensen, Jr. Um novaiorquino nascido à 20 de outubro de 1958, é um talentoso ator, produtor, autor, músico e um grande galã das telonas.
Sua versatilidade o levou, ao longo dos anos, a trazer vida para diversos personagens marcantes.
Tais como: o guerreiro charmoso, apaixonado e determinado: Aragorn (“O Senhor Dos Anéis” – 2001 à 2003), ou o encantador e inesquecível Ben (“Capitão Fantástico” – 2016), o famoso psicanalista Sigmund Freud (“Um Método Perigoso” – 2011)
Como se não bastasse entregar ao público incríveis atuações em papéis que, com certeza cada qual à sua maneira, o desafiaram de formas diferentes; Viggo também se aventurou nos bastidores de algumas notórias produções cinematográficas, tendo sua participação nos roteiros, produção, coprodução.
Com tamanha bagagem e reconhecível experiências, Mortensen faz uma surpreendente estreia como diretor. Seu mais novo filme, do roteiro à atuação, é um ponto alto de seu currículo do qual poderá orgulhar-se em demasia!
Falling Ainda Há Tempo é uma obra fantástica que reúno um bom roteiro, ótimas atuações e uma direção impecável.
ROTEIRO “Falling Ainda Há Tempo”
Surgido como um “desabafo”, o roteiro do filme nasceu de suas memórias que precisavam serem “colocadas para fora”.
Em um delicado momento no qual estava a lidar com o luto da partida de sua mãe, Viggo começara a rascunhar o seu roteiro¹. A princípio com diálogos soltos e incoerentes, ornando com memórias de sua infância e adolescência.
O que resultou no roteiro do filme, propriamente, é um apanhado de histórias ficcionais de uma família ficcional que coincide com suas próprias experiências de memória. Uma salada, com todo respeito, que deu muito certo.
Com diálogos bem apresentados, lapsos de memórias carregados de lembranças, divergências políticas, de crença, comportamento e sentimentos, a trama escrita, consegue atrair o público de forma rápida. Uma vez envolvido(a) com a situação, não se pode mais deixar os sentimentos de lado.
Essa isca lançada em nós, seus espectadores, é uma forma genial de se desenvolver uma conturbada e comovente narrativa.
TRAMA
A história gira entorno do amargo Willis (Lance Henriksen), pai de John (Viggo Mortensen).
Um idoso que apresenta os primeiros sintomas de demência: “[…] é um termo abrangente que descreve a perda de memória, capacidade intelectual, raciocínio, competências sociais e alterações das reações emocionais normais.”
Willis vê-se obrigado a vender a sua fazenda e pedir abrigo ao filho, ainda que temporário, uma vez que sua doença tende a avançar gradualmente ao longo do tempo. Porém, esta novidade em sua vida trará muitos dissabores, não para ele apenas, mas principalmente para seu filho, seu genro e às pessoas que precisam conviver com Willis.
Não que, em seus anos de juventude, fosse uma pessoa menos amarga. Muito pelo contrário, ao longo da trama percebemos um homem mesquinho, autoritário, machista, um pai irredutível, grosseiro, que queria educar e fazer de seu filho sua imagem espelhada.
Willis é indelicado com qualquer pessoa que lhe cruze o caminho, machista, sempre tratara a esposa de forma desrespeitosa, agredindo-a verbalmente e fisicamente. Até que, esta, resolve deixá-lo levando consigo os filhos.
Preconceituoso, sempre encontra apelidos para destratar o filho gay, bem como ao genro, cujo comportamento é xenofóbico em relação às origens do homem. Até mesmo o proctologista, não fica de fora das ofensas do velhote rancoroso e amargo.
A única pessoa que consegue atrair o mínimo de humanidade deste ser é Mônica, sua neta, filha de John e Eric (@terrykelichen), companheiro de John. Um dos raros momentos em que a figura do homem deixa de ser intragável, é quando ele está se relacionando com sua neta.
²-informação retira do site: https://alzheimerportugal.org/pt/
PAI E FILHO
Desde as primeiras cenas somos levados à relação estabelecida entre pai-e-filho. Uma relação que não se faz muito tranquila, seja porque o pai quer um garoto firme dentro daquilo que ele crê ser o “normal” para um homem. Seja na tentativa daquele menino de agradar ao pai, de manter a proximidade, amor, possibilidade de afeto daquele homem grosseiro.
Já adultos, não se vê tanta mudança. A não ser na clara independência de John e na irreversível dependência de Willis.
John tem sua família constituída, casado com um enfermeiro chamado Eric (@terrykelichen) que é descendente de um pai chinês e uma mãe havaiana. Juntos adotaram Mônica (GabbyVelis), a filha do casal.
A todo momento trava-se diálogos difíceis e intragáveis entre John e Willis, que busca sempre uma forma ofensiva, agressiva, preconceituosa, xenofóbica e homofóbica de tratar o filho e o genro.
O núcleo da trama, obviamente, ambientará tudo mais voltado para esta relação dos dois, porém, Willis não deixa de ser um escroto babaca com ninguém de fora. O que se torna muito nítido em uma de suas idas ao médico. Cena da qual irei destacar mais afrente.
Estas informações primárias são importantes para podermos compreender como Willis é um personagem, por vezes, totalmente desprezível e a originalidade em um personagem não tão original; vem da bravíssima e impecável atuação de Lance Henriksen.
DESTAQUE DE ATUAÇÃO – Que os aplausos sejam muitos e “de pé”
Talvez, arrisco dizer, que Willis seja um dos personagens mais marcantes que Lance venha a interpretar. Se não para ele, para nós público, o é. O ator conseguiu buscar uma fórmula original para entregar este papel, que poderia soar como algo totalmente caricato.
A veracidade em cada gesto, fala absurda, comportamento, xingamento, expressão corporal e até mesmo afetiva em relação a uma única pessoa dentro da trama inteira; faz com que a gente odeie e sinta – minimamente e com muito esforço – compaixão pelo velhote.
Causar, em um público, este tipo de sentimento, é para quem tem genialidade na atuação, certo? Certo! Henriksen é este tipo de gênio, que nos surpreende com sua atuação, que rouba a cena, as cenas, há todo e qualquer momento. Que faz a gente reverenciar o trabalho com todas as parabenizações devidas.
Que Viggo Mortensen é um excelente ator, todos nós já sabemos, sua atuação é, também, impecável. Seu personagem tem organicidade que o faz parecer um santo, quase.
Fazendo-nos questionar “é agora que ele vai mandar o pai dele ir catar coquinho”, pode até ser, quase, mas ele se mantém firme. E sem um clichê de uma irreal empatia. O personagem de Viggo é humano e sabe demostrar isso.
Mas, de fato, o destaque de hoje fica todo para Lance!
CONCLUSÃO
“Falling Ainda Há Tempo”, pode até soar um pouco rancoroso, de uma memória de tempos demasiado doído, mas, em sua direção, não há absolutamente nada o que se questionar.
A escolha de câmera, ambientação, formatação de planos – que nem sempre seguem uma sequência lógica, algumas vezes trazendo cenas que são apenas simbolismos, mas simbolismos nada simplórios.
Podemos destacar a cena do Faisão, que é abatido pelo jovem John, em uma caçada com o pai. A relação alí estabelecida entre a criança e a ave, é completamente simbólica. É sua primeira morte, tanto no sentido de ele ter causado a morte de um ser, como no sentido de ele ter de deixar aquele ser partir.
O cuidado que ele tem com a mãe, em querer ajudá-la e não a ver naquele estado de esgotamento e sofrimento.
[ALERTA DE SPOILLER] Outra cena, tanto simbólica quanto pesada é a cena em que John e Eric levam Willis em uma consulta ao proctologista. Já havia algum tempo que sei pai havia feito uma cirurgia para remoção de um câncer e jamais voltara para conferir a situação. Desde sua entrada no consultório até sua saída, ele profere ofensas, diretas e indiretas, à John e Eric.
Este momento, é totalmente fácil perceber bem que tipo de pessoa é Willis e como lidar com sua personalidade [já péssima] sendo tomada pela doença, é cada vez mais desafiador e quase impossível.
Com tudo, a obra cinematográfica não foi pensada e ou dirigida para ser um filme de fácil digestão, é incômodo, traz incômodo, é reflexivo, é controverso, é passível de algumas boas críticas positivas e algumas ressalvas particulares em se tratando de algumas temáticas abordadas.
É o tipo de filme que mostra a realidade, ou melhor, a atemporalidade dos costumes, ignorância e mentalidade de muitos indivíduos na atual sociedade em que vivenciamos e presenciamos.
Com estreia nos cinemas brasileiros prevista para dia 02 de dezembro de 2021, “Falling Ainda Há Tempo”, é um convite desafiador às nossas mentes, costumes, paciência e sentimentos. E, assim o sendo, vale muito cada minuto.
Ficha Técnica
Roteiro: Viggo Mortensen
Direção: Viggo Mortensen
Elenco: Lance Henriksen, Viggo Mortensen, Hannah Gross, Terry Chen, Laura Linney, Gabby Velis entre outros.
Distribuído no Brasil por: @californiafilmes
Companhias Produtoras: @scythiafilms
Obrigada pelo seu comentário! :-)