Belfast é um filme que lembra um pouco o estilo de narrativa que fez Jojo Rabbit. A história de uma guerra política contada pela perspectiva de um jovem garoto.
Ainda criança, Buddy (Jude Hill) tem 9 anos de idade e, ao mesmo tempo que vemos toda a história através de seus olhos, sempre observadores, a técnica de filmagem com a estética de preto e branco nos remete também ao caráter nostálgico da arte cinematográfica que estava sofrendo uma mudança de estilo, para filmes em cor, justamente naquela época da década de 60.
Grande fã de cinema e televisão, não só buddy e sua família assistem a clássicos da imagem em movimento que, hora são preto e branco, hora são a cores, a medida que a indústria cinematográfica dava seu salto tecnológico para nunca mais parar até hoje. O resultado é que as únicas cores que vemos no filme são das primeiras obras a cores que marcaram a infância do proagonista.
As primeiras e últimas cenas, que retratam os dias de hoje, são também em cores, mas harmonicamente casadas com o blues da música de Van Morrison. Essa pegada sugere que as artes da juventude de Kenneth Branagh permitiram que ele olhasse diretamente para seu próprio futuro.
Kenneth Branagh é o diretor e, como talvez já deva ter imaginado, conta com esse filme parte de suas memórias de infância que datam dessa mesma época em que a narrativa se encontra.
Em Jojo Rabbit uma criança do regime nazista enfrenta com ternura toda a fase da guerra com doçura ao fazer uma amizade com uma garota judia. Em Belfast também existe uma guerra, entre católicos e protestantes, apesar de na realidade a guerra ser sobre direitos civis, e não luta sectária.
Também ainda levemente, o filme compartilha algo em comum com Roma, de Alfonso Cuarón, que revisitou a infância do diretor na Cidade do México através dos olhos da empregada doméstica de sua família.
Branagh no entanto não parece tão intenso quanto Cuaron para investigar suas memórias e contextualizá-las com o passado. O véu protetor de seus pais e avós protegeram-no da realidade o tanto quanto possível, e a história contada parece focar na inocência das simbologias infantis.
Buddy se apaixona por um colega da escola, uma menina de família católica, e faz de tudo para impressioná-la. Seus pais parecem tão glamourosos que certamente só poderiam ter sido evocados pelas memórias de um filho bem protegido e amado.
Jamie Dornan, atuando como pai, pode até ser visto como o verdadeiro herói, obcecado por fazer o bem a sua família, acima de qualquer coisa. Caitriona Balfe, no papel de mãe, é tão resiliente quanto elegante. Os avós de Buddy (Ciaran Hinds e Judi Dench, atriz de 7 filmes de James Bond), funcionam como bons conselheiros, cheios de sabedoria e exemplos de amor conjugal.
Os principais assuntos que estão acontecendo paralelamente, sobre violência, religião e política, aparecem quase que como menção eventual, condensado toda a simbologia do ódio em uma figura vilã (Colin Morgan).
Todo o cenário é muito limpo e os lugares parecem acabar de terem sido feitos, o que nos remete a uma simbologia mnêmica, que aliado à estética preto e branco, nos convida com ainda mais intensidade a mergulhar na ideia de lembrança do jovem buddy. Sei que Branagh optou por filmar em um estúdio ao em vez das ruas reais devido restrições da pandemia da COVID.
Uma das cenas iniciais é certamente uma referência a um jogo de câmera que Cidade de Deus ajudou a consagrar no cinema internacional, a cena do frango. E é interessante também analisar o significado dessa escolha quando pensamos em como o filme todo parece ter o olhar do garoto. Sempre observador, estando ciente sobre toda a narrativa.
Vários problemas compõe o conflito central do filme, que é quando os pais tomam a decisão de deixar o único lar que conheceram em Belfast. Ou isso, ou continuam a arriscar a segurança de seus dois filhos pequenos. São uma família protestante que vive em uma área majoritariamente protestante, mas convive pacificamente com seus vizinhos católicos. O grande problema disso é que seus companheiros sectários os enxergam como desertores, e os transformam em inimigos também.
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