O filme, Juno, envelheceu mal? Segue uma breve reflexão a respeito!
Minha experiência com “Juno” tem algo de muito peculiar. Só fui assisti-lo dois anos após seu lançamento, num canal de TV a cabo, por uma feliz coincidência. Fisgado, talvez, pela música, fui ficando ali com o filme já iniciado, na expectativa sobre o que uma adolescente faria a respeito de sua gravidez.
Pensei, a princípio, que essa decisão seria o ápice da trama, mas era apenas o início. E fui ficando. E já vi ao filme repetidas vezes depois daquilo.
Ainda hoje, é fácil encontrar na internet reações que mostram o quão bem recebido e aclamado foi “Juno”, tanto pelos críticos quanto pelo público, com raras exceções. Uma produção indie, de baixo orçamento (6 milhões de dólares), gravado em apenas 31 dias e que acabou arrecadando 100 milhões em algumas semanas.
A associação com “Pequena Miss Sunshine” (2006) é até natural: ambos os filmes compartilham de um senso de humor semelhante e de uma trilha sonora que funciona tão bem quanto um bom personagem na trama.
A música em “Juno”, aliás, é essencial para o fator replay, contando com faixas de Barry Louis Polisar, Belle & Sebastian, Buddy Holly, Cat Power, The Kinks, Mott the Hoople, Sonic Youth e The Velvet Underground, além de várias de Kimya Dawson.
Dirigido por Jason Reitman e escrito por Diablo Cody, uma parceria bastante elogiada, “Juno” levou a estatueta por melhor roteiro na 80ª edição do Oscar em 2008.
Naquela ocasião, Cody dedicou o prêmio aos roteiristas de Hollywood com quem, declarou, ainda tinha muito a aprender. O filme concorreu, ainda, aos Oscars de melhor diretor para Reitman e de melhor atriz para Ellen Page, mas o ano era de Marion Cotillard e sua arrebatadora atuação em “Piaf: Um hino ao amor” (2007).
Passados quase 14 anos desde sua estreia, já é hora de nos perguntarmos: Será que “Juno” envelheceu mal? Com essa pergunta, queremos refletir sobre se “Juno” mantém atuais seu tema e proposta, bem como alguma relevância.
Naturalmente, muito da originalidade de “Juno” se deve ao seu roteiro e às linhas de diálogo. Eu não poderia, aqui, traçar algum paralelo ou comparativo entre esse trabalho de Diablo Cody e sua participação em outras produções.
Fato é que os diálogos em “Juno”, como sua trilha sonora, ganham destaque por certa audácia e fator surpresa. Nisto está, acredito, a genialidade de Diablo Cody aliada à versatilidade dos ótimos atores que compõem o elenco do filme.
Como se sabe, Ellen Page, que deu vida a Juno, passou por transição de gênero nos últimos anos. Recentemente, Elliot Page anunciou que a transição pela qual passou será refletida na experiência de seu próprio personagem em “Umbrella Academy”, da qual se espera a terceira temporada ainda este ano.
O anúncio chega em boa hora, resolvendo, de vez, uma interrogação que pairava no ar sobre o futuro de Vanya Hargreeves na série, que passa a ser Viktor Hargreeves. A expectativa, agora, é sobre como essa transição será mostrada na tela.
Com relação a “Juno”, Page, que é ativista pelos direitos LGBTQIA+, declarou, em dezembro passado, que se arrepende de uma das cenas do filme. Trata-se de quando Juno diz que o nome Madison, sugerido para o bebê, soa “um pouco gay”. Indo para o ponto de nossa reflexão, temos, aí, uma cena que não envelheceu bem.
A esse respeito, Page diz: “Não é algo que eu tinha consciência na época, mas, é claro, agora que sou mais velho eu sei disso”. E acrescenta: “Muitos filmes que eu amava quando jovem são repletos de homofobia, transfobia e bifobia e não passo pano para isso de qualquer forma”.
O ator toca, aqui, numa questão pertinente, mas sabemos que “Juno” não é um caso isolado no rol de produções que contaram, alguma vez, com a anuência e conveniência de seus produtores e um público condicionado por sua própria época e contexto.
Apesar da cena mencionada ser apenas pontual no filme, existe outro momento que parece até ter passado batido pela maioria dos críticos daquele tempo.
Eu mesmo só fui capaz de problematizá-lo recentemente, e esta é, talvez, a razão principal pela qual me proponho essa reflexão. Mas ela precisa do amparo do contexto do filme, então vamos lá.
O filme começa com Juno narrando que tudo começou com uma poltrona. Numa tarde entediante, ela e seu melhor amigo, o improvável Paulie Bleeker (Michael Cera), resolvem esquentar as coisas.
Logo, temos Juno descobrindo sua gravidez por meio de um teste de farmácia. A ideia de interromper a gravidez persiste e Juno a compartilha com Bleeker e sua melhor amiga, Leah, sem receber qualquer resistência.
Já na fila de espera da clínica de aborto, Juno desiste do procedimento e parte para o plano B: o de entregar o bebê para doação. E então, com sua amiga, Juno passa a procurar, nos classificados, por casais que considera legais e descolados. E aqui surgem Mark (Jason Bateman) e Vanessa Loring (Jennifer Garden no seu melhor).
Contra todas as convenções das situações do tipo – não sem um alerta de sua madrasta –, Juno, em sua ingenuidade, acaba se aproximando muito do casal, especialmente de Mark, com quem logo faz amizade.
De fato, ele é músico, produz canções para comerciais de TV e compartilha, com Juno, de influências musicais parecidas, bem como o gosto por filmes gore.
O ápice da relação entre eles, que vai aparecendo cada vez mais envolta em ambiguidades, ocorre mais ao final do filme (alerta de spoiler!) quando os dois, durante mais uma das visitas inesperadas de Juno, dançam abraçados ao som de “All the young dudes” (1970), de Mott The Hoople.
É o momento em que Mark comunica a Juno a sua decisão de se separar de Vanessa, parecendo ter em mente a ideia de ficar com Juno ao admitir ter imaginado que ela fosse gostar da notícia.
Por fim, ao notar que Juno se opõe totalmente à separação, Mark lhe pergunta o que ela pensa sobre ele, afinal. Em meio a tudo isso, Juno jamais admite qualquer sentimento por ele, e responde que só gostava ser “parte da mobília” na vida estranha de Mark.
Em um debate no site de discussão filmboards.com, datado de abril de 2008, alguém levanta a questão sobre Ellen Page ter trabalhado em dois filmes que retratam a pedofilia sem que os atos, em ambas as produções, desemboquem em alguma consequência para os personagens.
Polêmicas à parte, as opiniões dos espectadores ainda são divergentes em ambos os casos.
O diálogo final entre Vanessa e Mark, do qual Juno ainda participa como testemunha, crava de uma vez as diferenças existentes entre o casal. Os dois estão em níveis de maturidade e projetos de vida totalmente distintos.
O filme não tematiza a questão da pedofilia em si, mas falha ao sugeri-la tão gratuitamente. O que fica em evidência é que Mark, sendo um adulto, nunca está pronto para dar um grande passo; ele pensa e age como um adolescente.
Em contrapartida, a gravidez de Juno e todo o drama enfrentado por ela marca a sua passagem da adolescência à maturidade, à vida adulta.
Muito embora rejeite e sofra com a decisão de Mark e Vanessa, Juno se recompõe e dá mostras de sua constância e capacidade de decisão ao seguir em frente com a gravidez e dar o bebê à mãe que sempre o desejou. Vale a menção à comoção tão genuína de Vanessa/ Jennifer Garden ao segurar o bebê, após Juno se negar a vê-lo dizendo que ele sempre foi de Vanessa.
E então, voltamos à pergunta: “Juno” envelheceu mal nesses últimos 14 anos?
Ao constatar essas questões, foi com um pouco de constrangimento que eu recordei o sem número de vezes que recomendei “Juno” às pessoas, ou tornei a assisti-lo com alguém ou um grupo.
Mesmo no interior da Bahia, num tempo de atividade missionária lá em 2009, foi a partir de “Juno” – do qual fiz questão de adquirir o DVD – que debatemos, num grupo de jovens de igreja, questões de sexualidade e gravidez precoce.
Passado, porém, o meu susto inicial, passo a admitir que o filme seria mais palatável se apresentasse esse interessante contraponto entre Mark e Juno sem recorrer a essa confusão de sentimentos na relação entre os dois.
Acredito que “Juno”, apesar das críticas que possa inspirar, ainda mantém o valor de servir para dialogar com adolescentes e jovens, em meio a tantas produções que também tratam do mesmo tema, sendo que “Juno” o faz de uma forma particularmente espontânea e leve.
Não existe, aqui, o drama da filha expulsa de casa pelos pais, mas a acolhida. E o aborto não é tratado como uma solução automática para a gravidez precoce. A responsabilidade dos homens também é colocada em jogo, quando vemos Juno sofrer todo o constrangimento pela gravidez e sacrificar o lazer que Bleeker curte entre amigos enquanto ela só vê sua barriga crescer.
Assim, sem minimizar as questões polêmicas que aparecem nas entrelinhas, acredito que o filme ainda garante o mesmo divertimento e funciona, como costumo dizer, até mesmo como uma boa aula de roteiro para principiantes, tendo merecido o Oscar nessa categoria.
Está longe de ser considerado chato e sem graça, como escreveram alguns, se o assistirmos de cabeça aberta e em contato com nossas próprias expectativas juvenis de outrora.
Leia também em nosso site:
Obrigada pelo seu comentário! :-)