Cotswolds é o palco perfeito para um filme de terror com uma trama psicológica como a que se apresenta, apresentando um cenário bucólico, calmo e esverdejante… contrasta o caos interno com o qual a protagonista está passando. Desde cara temos todos os elementos de um filme de terror num estilo específico.. daqueles que a pessoa ingênua da cidade vai pro campo.
Esse filme de Alex Garland é bem ambicioso, vai se construindo de forma lenta e tem muita cenas um tanto quanto poéticas e abstratas. É uma boa dica pra quem gosta de viajar em meio a simbologias como pistas pra desvendar a trama num quadro completo.
Uma antiga casa, mais especificamente um palacete e com um jardim impecável, é o lugar onde Harper (Jessie Buckley, atriz do premiado filme The Lost Daughter) se esconde do trauma que acaba de acontecer em sua casa. Há poucos dias, ela testemunha o marido se morrer de uma forma desconcertante.
Harper é ua jovem adulta razoavelmente rica para alugar uma casa de campo parnasiana na região igualmente bela de Cotswolds.
O lugar é da época de Shakespeare tem jardins, gramados, e mesa de sinuca. É perto de uma pequena e secular igreja em ruínas com um vigário (é claro, tinha que ter) e um bosque à la chapeuzinho vermelho.
Já deve imaginar que boa coisa não vem daí, certo? Casa com alma penada? Monstro na floresta? Calma… Sem spoilers, trataremos disso, mas o título já dá uma dica boa sobre que tipo de terror Harper vai ter que enfrentar. É do tipo maníaco, contudo, não é o usual maníaco.
Se gosta de uma história um tanto quanto desorientante e também um pouco vaga, quero dizer, com aquelas incertezas de se é real o que está acontecendo ali, então, pode sentar na frente da tela e divertir-se.
O contexto do trauma vivido pela jovem é fornecido em conta-gotas através de flashbacks da última tentativa que ela teve de se separar do marido. Certamente as coisas ali não iam nada bem. É mais um homem que, nesse naquele filme, se revela abusador e também manipulador.
Pra piorar a situação, Harper encontra naquela pequena vila uma série de personagens grotescos rurais, todos homens, e uma das coisas mais impressionantes sobre o filme, não se assuste se achar que todos os homens ali tem apresentam uma grande semelhança entre si.
Rory Kinnear, ator britânico que esteve presentes em filmes de James Bond, O Jogo da Imitação e séries como Penny Dreadful, tem aqui o palco do tamanho de uma vila pra mostrar a que veio. Sua atuação é bem convincente com todas as facetas que teve de encarar pra fazer esse filme.
Um pouco sobre o diretor. Garland é um contador nato e com seus trabalhos anteriores como escritor do apocalipse zumbi 28 Dias Depois, e dirigindo Ex Machina, deram aos fãs um clamor por um filme do gênero de terror, e de preferência com uma boa trama psicológica.
Com esse histórico, certamente podemos confiar que Garland sabe o que está fazendo e Esse histórico torna possível acreditar para muitos homens que ele sabe o que está fazendo. Congrega temas atuais como misoginia, violência a mulher em contraponto com valores morais conservadores.
E isso tudo ainda dialogando conceitualmente com uma face mitológica da cultura celta que conseguiu se impor de alguma forma, mesmo com o avalanche de valores e regras que a religião cristã submeteu às antigas tradições e crenças europeias.
Que face? A história trás como um elemento crescente o mito do Homem Verde, que na mitologia celta é uma representação da morte e do renascimento. É uma mistura impressionante entre horror e beleza artística.
Me incomoda um pouco, se formos esmiuçar a história atribuindo sentido a todos os elementos, que a única personagem que se possa considerar o principal vilão de alguma forma, seja o marido de Harper, um ator negro. O único negro no filme.
Se a gente pensar que o resgate ao passado pagão seja uma mensagem de recomeço, de renascimento, pode haver aí um antagonismo entre o novo, como sendo algo ameaçador, e o antigo, como sendo aquele lugar que a gente tem sempre que se referenciar pra entender como a vida tem que ser.
O filme pode deixar parecer que se trata uma história sobre uma mulher tão chocada com sua experiência com um homem que projeta sua paranoia nos outros homens em geral, com resultados potencialmente desastrosos.
Poderíamos discutir isso aqui fazendo um paralelo sobre a culpabilização da mulher perante um ato violento praticado por outro homem.
Apesar disso, me parece claro que, a explicita exposição das cenas em que a protagonista sofre diversos abusos, seja por culpá-la moralmente, seja pelo ato violento com palavras ou agressões físicas, em todas aquelas facetas, denotam o claro protesto desta obra contra esse problema cultural.
Ou seja, não é um filme com o qual a gente vai poder entender com clareza, se aquilo tudo pelo que passa Harper aconteceu ou não. Certamente nem mesmo Garland se atreveria a dizer com certeza. Provavelmente o objetivo dele foi esse de nos deixar na dúvida, igual fazemos com os mitos.
Aqueles agressores são reais ou fictícios? No fundo a gente queria que nosso mito fosse verdadeiro. Neste filme a gente tem esse mesmo gostinho do: “e se aconteceu isso?”.
Será que assim, desse jeito, não é até mais interessante do que a ideia de um maníaco fantasiado como a morte, inventado especificamente pra uma grande franquia de filme de terror?
Diretor: Alex Garland
Harper Marlowe: Jessie Buckley
Geoffrey: Rory Kinnear
James Marlowe: Paapa Essiedu
Riley: Gayle Rankin
1 Comment
Leave your reply.