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O MENINO E A GARÇA : COMO APRENDER A VIVER ?

O Menino e a Garça é um presente de Hayao Miyazaki para seu público mais fiel. A delicada história da trama baseada no livro “Como Você Vive (de Genzaburo Yoshino)” é um bálsamo, para nós espectadores, que somos bombardeados pela incógnita que nos permeia a existência: como aprender a viver.

Confira a matéria completa para ficar por dentro desse filme O menino e a Garça que chega hoje (22) aos cinemas.

Hayao Miyazaki já nos brindou com obras célebres ao longo de sua jornada nos Studios Ghibli, embalando-nos em fantasias e fábulas que nos rememoram a infância e como este significativo tempo em nossas vidas, é rico em sapiência de como se vive. É na ingenuidade da vida infantil que a gente pode encontrar segredo para saber viver. Hayao traz a essência de sua própria experiência de vida, de sua própria história, em O menino e a garça, para falar sobre Mahito, um jovem que perde sua mãe, por causa da guerra (o que, por si só, diz muito. Afinal, quantos de nós humanos não sofremos o luto em tempos de guerra?!), e se vê obrigado a partir para o interior do Japão junto ao seu pai.


Em seu novo lar, ele reaprenderá o sentido da vida, encontrará uma tia grávida, que muito lhe lembra a mãe e o desafio de lidar com o luto sem machucar àqueles que estão ali para lhe cuidar. A casa, que é aconchegante, grande e cheia de seus mistérios, também é habitada por muitos velhinhos e velhinhas, que dão tudo de si em prol da garantia de vida de Mahito. Nos carregando, em suas costas, em seus passos, em suas asas, em sua imaginação, Hayao nos leva para um universo surrealista, fabular, que só podemos acessar quando a nossa criança interior tem total liberdade para transitar por aí. Um universo que inverte a ordem das coisas, que transforma o luto, a dor, o fogo, a água, os pássaros, os tiranos, a existência, a velhice – em diferentes conceitos e sujeitos.


Passarinhos são tiranos (o que é uma saborosa ironia, afinal, se eles tem asas deveriam ser os seres mais livres possíveis e não abitolados ou tirânicos), pedras tem são “conscientes”, poderosas, podem lhe poupar a vida ou lhe ferir se você faz qualquer movimento que contradiz àquilo que elas querem. Uma garça que é um homem e um animal, que mente, ilude, ludibria e tem medo. Aprendeu da pior maneiro possível a lidar com suas frustrações e transforma tudo em mentira e dor.

Um ancestral que Mahito e sua família só conhece por uma lenda, um homem poderoso que define o curso do universo – mas, qual universo? Totens que são, na fantasia, proteção para Mahito, na vida real, os tranquilos velhinhos que tanto aguardavam a chegada de pai e filho. Se no mundo real estes velhinhos são um mistério nada dito, no universo paralelo de um mergulho profundo, são muito mais! E uma de suas guias, é heroica, salvando-lhe, aconselhando-lhe, ensinando-lhe e mostrando-lhe como cada um vive o seu ciclo da forma que tem de ser vivido, aventurando-se e lutando pelo que há de melhor. Cada pessoa importa, cada ser, cada pedra, cada animal, cada loca, cada gota de água do oceano. Tudo importa, tudo é interconectado de alguma maneira. E se a pedra sente, a pedra cria. A pedra equilibra o mundo, a pedra se esvai e aniquila um universo para que outro possa viver!

Do luto doloroso de sua mãe adulta, ao encontro tênue e emocionando com sua mãe criança, onde o fogo que matou uma versão é a combustão e magia que mantêm a outra viva, celebrando, lutando e salvando o seu pequeno fugaz mundo. Todos os passos de Mahito o levam à aceitação do amor de sua Tia (que está grávida, indiretamente, subentende-se que a Tia está gravida do cunhado – pai do Mahito), que nesta nova vida torna-se sua nova mãe. Mahito luta, não só para resgatá-la, mas para resgatar-se, vivenciar as experiências e crescimento do passo-a-passo que cada um de nós enfrenta, ao perder um ente querido.


Não falamos tanto da Garça porque embora seja um antagonista essencial à trama, a conexão de Mahito é tanto consigo mesmo e seus medos, que talvez seja a Garça não uma personagem de glória, mas de enfrentamento. De um fantasma travestido que o leva ao âmago de si mesmo. Ainda que ele possa não saber onde isto fica dentro de si ou em que universo ele o seria.

O Menino e a Garça, de longe, é um filme infantil! Todo peso da essência daquilo que deseja emergia é entregue com a finesse de todos os filmes de Hayao, uma pulverizada de humor peculiar e a imensidão de um oceano de imaginação e delicadeza para dizer de acontecimentos intensos. Talvez seja esta a obra de despedida deste gênio que tanto povoou a nossa vida com a imaginação sem fim executada nos Studios Ghibli, aos 83 anos, nada pode parar Hayao Miyazaki – mas já diz muito!