Novo longa de Guel Arraes (O Auto da Compadecida) é uma obra visceral e arrebatadora. “Grande Sertão” é uma ode à Guimarães Rosa!
A magnífica obra de Guimarães Rosa foi brilhantemente adaptada para as telonas. Guel Arraes é um dos grandes diretores que sabe trabalhar tais adaptações.
Trazendo para a realidade, redescobrimos a essência do Sertão. Sertão é todo lugar onde pessoas marginalizadas à sociedade, abandonadas pelo poder público; resistem. Criam a sua própria narrativa e Estado.
Trocando os biomas e estados, a obra não se passa no sertão entre os Estados da Bahia e Minas Gerais, a nova trama se desenvolve em uma favela cercada por muros, isolada no meio de um sertão urbano.
Um país de uma realidade distópica tão pulsante e real aos últimos tempos que vivenciamos. Proporcionando a presença de todos os elementos criados por Guimarães Rosa em sua literatura; vemos a nova roupagem dançar aos nossos olhos atentos.
Jorge Furtado, que assina o roteiro, coloca muito bem a nova realidade, unindo-se a mente de Arraes, escolher a periferia como palco da Obra é precisamente cirúrgico.
A luta entre policiais e bandidos assume ares de guerra e traz à tona questões como lealdade e traição, vida e morte, amor e coragem, Deus e o diabo.
Questões estas que estão sublinhadas tanto na literatura e na ficção quanto na vida social que pulsa. Riobaldo (Caio Blat) entra para o crime por amor a Diadorim (Luisa Arraes), um dos bandidos, mas nunca tem a coragem de revelar sua paixão.
Paixão que se apresenta entre o puro amor em lealdade e o medo e preconceito daquela dura cultura de um sertão já tão devastado. E, aqui, as tão ricas referências se apresentam como símbolos preciosos que carregam denúncias contra a nossa própria sociedade.
Assim como Zé Bebelo (Luís Miranda), muitos policiais buscam usar sua posição na corporação como uma alavanca para a candidatura política. Usando a corporação como trampolim.
Essa estratégia não apenas ilustra a relação entre poder e política, mas também instiga a reflexão sobre a maneira como a instituição policial pode ser instrumentalizada para alcançar objetivos pessoais.
DESTAQUES
O primeiro destaque, sem sombra de dúvida, fica para o ator Eduardo Sterblitch, que interpreta o lunático Hemógenes.
Um vilão incansável, inescrupuloso que é muito mais um símbolo do que só um humano.
O segundo, por sua vez, é para a própria obra em sua magnitude. Ao optar pela abordagem em prosa nos diálogos do filme, Arraes se destaca como uma escolha ousada, porém eficaz.
É artístico poder vislumbrar e se encarar com a fidelidade à literatura. Trazer o formato do teatro para a sétima arte é peculiar e bem-vindo. Pois assim, contribui para uma atmosfera envolvente na trama, ainda que, para o público não acostumado ao estilo, pudesse se deparar com certa estranheza.
O filme perde um pouco do fôlego, mas depois se reorienta e nos devolve cenas de muita ação e violência. As cenas de tiroteios são muito bem produzidas e prende a nossa atenção, entretanto, as cenas de combate corpo a corpo deixam a desejar com lutas mal coreografadas.
Em um contexto geral, “Grande Sertão” é um filme polêmico, intenso, belo, inquieto e que certamente não será tão bem recebido pelo grande publico.
Certamente isso se deve ao não conhecimento da obra de Guimarães Rosa, que já em 1956, tratava de assuntos sérios e dolorosos. Compreender como a releitura e adaptação dessa obra é essencial aos nossos tempos, faz uma diferença considerável.
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