Kinds Of Kindness é uma mistura de Black Mirror com Pobres Criaturas que gera estranheza e vontade de ir além. Tudo graças a mente brilhante de Lanthimos.
O principal desafio de “Tipos de Gentileza” (Kinds of Kindness) – que pode desagradar ou afastar parte do público – é a extensão de suas três narrativas. Cada história ultrapassa a marca de 50 minutos, chegando perto de uma hora, totalizando quase 2h45 de duração.
Esses segmentos se encaixam na categoria dos infames médias-metragens, frequentemente menos apreciados no cinema. No entanto, essa duração é semelhante à de um episódio de série – e isso não é por acaso.
O filme é, na essência, uma versão grega de “Black Mirror”. O diretor Yorgos Lanthimos (“Pobres Criaturas”) acredita que, se as pessoas conseguem assistir a quatro, cinco ou seis horas seguidas de um seriado em streaming, podem suportar menos de três horas no cinema.
Apesar da duração, o talento do cineasta e sua equipe faz com que o tempo passe mais rápido do que se espera. “Kinds of Kindness” marca o retorno de Lanthimos ao humor excêntrico e perturbador de seus trabalhos iniciais, agora com o orçamento de um “Black Mirror”.
O resultado, embora irregular como qualquer filme composto por episódios, é envolvente, especialmente para os admiradores do estilo peculiar do cineasta. Aqueles que preferem temas mais sensíveis devem evitar o filme.
KINDS OF KINDNESS – MERGULHANDO NA HISTÓRIA
As três histórias, exibidas em ordem decrescente de qualidade, formam uma antologia de contos surrealistas, violentos e sangrentos que exploram até onde as pessoas estão dispostas a ir para serem amadas e aceitas.
A primeira e melhor das histórias segue Robert (Jesse Plemons), um homem cuja vida é rigidamente controlada por seu chefe, Raymond (Willem Dafoe). Ele relata suas atividades ao patrão e realiza as tarefas que lhe são atribuídas. Quando Raymond o instrui a provocar um acidente de trânsito, Robert decide romper esse ciclo, desencadeando uma série de problemas em sua vida.
No segundo segmento, Plemons interpreta Daniel, um policial casado com Liz (Emma Stone), uma pesquisadora de recifes que desaparece durante uma viagem de trabalho. Quando ela retorna, Daniel começa a suspeitar que a mulher que voltou para casa não seja sua esposa, levando essa desconfiança a um extremo.
Finalmente, o segmento mais longo e cansativo envolve Emily (Stone) e Andrew (Plemons) como membros de um culto liderado por Omi (Dafoe) e Aka (Hong Chau), em busca de uma gêmea capaz de ressuscitar os mortos.
KINDS OF KINDNESS – LANTHIMOS E NOVOS RUMOS?!
Lanthimos abandona seus truques visuais, especialmente o uso excessivo de lentes grande angulares, adotando um estilo mais realista.
Entretanto, ele mantém o caráter surreal das histórias através de uma paleta de cores vibrantes e inusitadas, notáveis nos figurinos de Jennifer Johnson e no design de produção de Anthony Gasparro, que fazem uso de tons intensos como roxos, laranjas, marrons e vermelhos – sem qualquer nuance pastel, o que reflete a intensidade e a dissonância das tramas.
KINDS OF KINDNESS – ELENCO DE PRIMEIRA
O que realmente destaca as reviravoltas surpreendentes de “Kinds of Kindness” é o elenco excelente.
Embora Emma Stone já seja uma especialista no estilo do cineasta grego, o grande destaque do filme é Jesse Plemons. Atuando nos dois primeiros episódios e com um papel importante no terceiro, o ator se destaca com suas expressões ambíguas e seu rosto de traços não convencionais, perfeitamente alinhados ao universo de Lanthimos.
As duas últimas sequências do primeiro episódio são particularmente notáveis pela atuação de Plemons, capazes de surpreender e chocar o público.
Dafoe também brilha com sua habilidade em causar repulsa e terror apenas com um olhar ou uma peça de figurino, entregando falas mais inusitadas com uma cadência impassível e aterrorizante.
DESTAQUES
“Kinds of Kindness” se destaca quando entrega suas ironias de maneira direta e inesperada, como quando Daniel insiste em assistir a um vídeo com seus amigos – um vídeo realmente peculiar.
Quando a trama se torna excessivamente complexa e enrolada, como no terceiro segmento, pode se tornar cansativa – embora isso ocorra porque é o principal palco para a performance de Stone, musa atual do cineasta.
A parceria entre eles já conquistou um Leão de Ouro e vários Oscars, e talvez saia de Cannes sem prêmios simplesmente porque não precisa. Os fãs da dupla já estão ansiosos para assistir no cinema.
EXPLORANDO A NARRATIVA DE KINDS OF KINDNESS
A questão sobre onde começa e termina a gentileza, e como ela pode, paradoxalmente, se transformar em abuso, é o tema central do novo filme de Yorgos Lanthimos, “Tipos de Gentileza” (Kinds of Kindness).
A obra examina as complexidades das relações humanas, explorando as sutis, mas intensas dinâmicas de vida e morte que muitas vezes emergem em vínculos afetivos através de situações extremas, onde os personagens estão dispostos a cometer sacrifícios para lidar com a perda e o luto.
Lanthimos leva o espectador ao limite das noções de certo e errado, revelando como a gentileza pode, em certos contextos, ser uma forma disfarçada de agressão.
Esse jogo entre aparência e realidade faz com que, às vezes, nos esqueçamos de ser gentis conosco mesmos em um esforço para pertencer e manter relações que muitas vezes já não fazem sentido.
KINDS OF KINDNESS, COMO PODERÍAMOS CONCLUIR OU RESUMIR?!
Ao contrário de “Pobres Criaturas”, “Tipos de Gentileza” se aproxima mais de obras como “O Sacrifício do Cervo Sagrado” (2017). O filme mantém um cenário aparentemente realista, mas com situações absurdas e inusitadas, gerando uma sensação constante de estranheza e rigidez.
A montagem intercala cenas em preto e branco, indicando momentos fora do presente, como sonhos, memórias, flashbacks ou imaginações dos personagens. A narrativa permite explorar a ambiguidade do roteiro, com finais abertos e sem explicações excessivas, criando uma experiência única que provoca identificação e desconforto.
Na primeira e mais intrigante história, o filme apresenta um homem cuja vida privada é controlada por seu “chefe”, uma relação problemática que levanta questões sobre abuso, livre arbítrio e luto.
Isso provoca reflexões sobre a verdadeira natureza da liberdade, questionando se as decisões que tomamos são realmente espontâneas ou se estamos apenas repetindo comportamentos pré-estabelecidos, independentemente de nossas vontades e impulsos.
O segundo capítulo segue um homem que reencontra sua esposa após seu desaparecimento, mas não consegue mais reconhecê-la, gerando um enredo repleto de trauma, paranoia, agressões e até mesmo canibalismo.
Esse enredo faz com que o espectador, junto com o personagem, questione sua verdadeira identidade, desafiando nossas percepções de realidade.
O segmento final explora a história de uma mulher que abandona sua filha para se juntar a uma seita liberal e negacionista, que busca um ritual para ressuscitar os mortos. Este segmento revela mais uma vez temas de perda, abuso e controle do livre arbítrio, colocando a personagem no limite de situações absurdas na tentativa de recuperar o que perdeu.
A estratégia de repetir o elenco em diferentes papéis ao longo dos três capítulos contribui para a coerência narrativa e estética do filme.
Emma Stone e Jesse Plemons oferecem atuações intensas e diversificadas, enriquecendo cada uma das histórias, enquanto Willem Dafoe, com sua impressionante versatilidade, interpreta personagens com características semelhantes às de seu papel em “Pobres Criaturas”.
Assim como o doutor Godwin Baxter, apelidado de “God” (Deus, pai, criador), Dafoe se destaca como uma figura controladora e manipuladora em cada história. Na primeira, ele interpreta o chefe que controla cada movimento dos personagens com precisão, aproximando-se da função de um criador ou diretor de cinema.
Na segunda, ele desempenha um papel de pai, refletindo sobre relações tóxicas e manipuladoras. Na terceira, como líder de uma seita, ele assume o papel de um Deus que pune quando seus seguidores cometem “pecados”. Os tipos de gentileza (Kinds Of Kindness) retratados no filme estão exatamente na linha tênue entre afeto e controle.
Com uma duração próxima das três horas, o filme mantém o espectador engajado do início ao fim ao dividir a trama em capítulos independentes, proporcionando a sensação de uma maratona de minissérie. Cada história oferece uma resolução peculiar antes de passar para a próxima, como um novo episódio em uma narrativa seriada (mesmo que antológica), mantendo o ritmo e a intensidade da narrativa.
“Kinds Of Kindness” é uma experiência completa e extremamente instigante. As atuações notáveis e a trilha sonora de suspense ajudam a equilibrar as histórias e os elementos que as conectam, criando uma identidade única para o filme.
É uma obra que dividirá opiniões, oferecendo momentos engraçados, tensos, dramáticos, desconfortáveis e polêmicos. Lanthimos entrega uma experiência cinematográfica complexa e equilibrada, desafiando e provocando o espectador a cada uma das suas distintas histórias.
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